domingo, 7 de junho de 2009

Notas Sobre "Rifa"

Estávamos já em 2004, ainda com a febre das bandeirinhas à janela, quando se deu mais este espasmo em forma de banda-desenhada. “Rifa” tem a particularidade de ser a primeira e única rabiscada em tamanho A4 e isso beneficiou-lhe nalgumas expressões das personagens mas dificultou-lhe a portabilidade. Simplesmente não se dobrava tão bem dentro de uma carteira.
Ao contrário de muitas outras “histórias” que não têm um fio condutor, mas muito mais uma espécie de pastiche de referências diversas, “Rifa” tem subjacente um tema muito concreto. A “história” em si é uma alfinetada demasiado evidente à situação política nacional em pleno verão pós-Euro, tornando infrutífera a tentativa de Alberto da Cunha Pinto não se parecer com… vocês sabem quem. Sim, mesmo careca e com pêra, é fácil perceber que Alberto da Cunha Pinto, nesta sua terceira aparição, é um decalque desse infame primeiro-ministro de então. Aliás, toda a situação é uma notória redução ao absurdo do que podia ter sido a própria condução do indivíduo ao poder na vida real.
E Teixeira Pardal, o Neto e o Falâncio num só corpo? Teixeira Pardal representa os outros. O eterno inconformismo e a permanente injustiça de quem constitui a base da pirâmide na qual apenas os privilegiados chegam ao topo. E não se distraiam com a aparente secundarização da mulher, que sem se dar por isso termina no lugar cimeiro do pódio.
Lendo “Rifa”, perpassa a sensação de estar perante uma “história” mais… madura, pelo menos avaliando pela substância politizada da ironia que impregna todo o enredo, que não se revela, ainda assim, tão púbere como noutras situações. Bem, no final não resisti e tornei ambas as facções políticas em material sanitário, é um facto…

“Rifa” é um oásis na longa travessia pelo deserto desta bandas-desenhadas: atrás dela, quase dois anos de hiato; demoraria quase mais três anos para lhe arranjar uma sucessora. Os sinais vitais eram nitidamente fracos. Mas aquela conjuntura era irrepetível. O momento não podia ser desperdiçado. E, no cômputo geral, “Rifa” é um episódio isolado com o seu quê de entretido. A “história” é fluida no argumento e razoável no desenho, praticamente nem se nota pelo tempo de paragem. E serviu para mostrar que continuava a ser possível fazer coisas de que gostasse. Por tudo isto, valeu a pena.
Depois desta pequena turbulência, voltei então à hibernação. Até 2007.

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