sábado, 30 de maio de 2009

"Barra de Ferro" (Agosto 2001)

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Notas Sobre "Barra de Ferro"

Com “Barra de Ferro” chegou o fim das minhas edições regulares. A paragem terminal de mais um ciclo é uma “história” repleta de absurdo e morte por dá-cá-aquela-palha, num argumento que merecia um papel menos rasgado. Um bom esforço para realçar a incompetência dos gestores e o seguidismo cego das massas, a meu ver. Tem um narrador que nos acompanha quase até ao fim, o que também não é muito comum, já que preferi sempre deixar as personagens falar e não me socorrer de narradores para explicar o contexto. Aliás, o contexto é a interpretação que cada um queira fazer; eu sentir-me-ia muito gratificado se existissem várias explicações para certa “história” para além da minha, que é só mais uma e não necessariamente mais válida apenas por eu ter sido o autor. Porém, aqui tive mesmo que recorrer ao narrador.

“Barra de Ferro” não estava destinada a ser a última “história”. Ao contrário do que acontecera no passado, não planeei nenhuma retirada, as coisas apenas acabaram por acontecer dessa forma. As pessoas vão crescendo, o ambiente vai mudando, certas coisas deixam de fazer tanto sentido e outras começam a ganhar preponderância. Ao fim de sete anos praticamente sem pausas superiores a meio ano é natural que o ritmo de produção destas “histórias” começasse a ressentir-se.
Daqui em diante, as aparições seriam esporádicas, como se destinassem apenas a matar o bichinho que aperta de vez em quando – ou como aquela peladinha ocasional que o jogador de futebol retirado joga pelas velhas guardas de tempos em tempos.
Em 2001 já começava a haver muita Internet, muita televisão por cabo, muita gente a aparecer com ideias frescas e boas e percebi que iria aparecer algo que substituísse o grau de comédia absurda das minhas “histórias”. Bem, não exactamente com este formato, mas depois surgiu muita gente com muito talento, igualmente inspirada pelos Simpsons, Herman José, Monty Python e música rock/pop, entre outros, e, como não podia deixar de ser, com muito mais poder de promoção. Eu próprio compreendi que tinha duas opções no que concernia à minha forma de expressão: apostar na especialização e em repetir-me ad eternum, o que exigiria uma dedicação que não me parecia apetecível, ou perceber que o momento já tinha passado e que havia que avançar para outras bandas. Para o bem ou para o mal, escolhi a última.
Demorou mais de ano para que “Barra de Ferro” tivesse uma sucessora. A partir de “Barra de Ferro” nunca mais tive a certeza de que iria haver uma sucessora; seria uma questão de existir ou não uma vontade ocasional polvilhada com um certo saudosismo. Em cerca de sete anos ocorreriam quatro momentos desses.

"Veiga" (Julho 2001)

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Notas Sobre "Veiga"

Se por acaso esta “história” é o primeiro contacto que têm com esta colecção poderão ficar com a ideia que ridicularizo personalidades reais. Mas se já viram muitas mais sabem que isso não corresponde à verdade.
De facto, não tenho como hábito trazer à colação gente conhecida de todos e, mesmo quando o faço, não os ridicularizo – o mais correcto é dizer que desprezo completamente a sua dignidade pessoal. Penso que existem duas razões fundamentais para que isso aconteça: não tenho dotes desenhistas que me permitam caricaturar satisfatoriamente essas pessoas e já todos estão fartos de gozar sempre com as mesmas caras da nossa praça; tentar a abstracção, um retrato intemporal, a personificação e a metáfora é um desafio muito mais recompensador e estimulante. E mais difícil, com toda a certeza. Brincar com figuras públicas é claramente um terreno que deixo para outros artistas trilhar à vontade.
O certo é que o argumento de “Veiga” não seria nada de especial se não colocasse referências a personalidades conhecidas (e a essa grande novidade que era o Euro). E julgo que mesmo após referir esses abutres do futebol que são José Veiga, Manuel Barbosa (o que é feito dele?), Pinto da Costa (disfarçado de Snoopy, que jamais seria capaz de ousar reproduzir o “papa”) e um misterioso Big Joe “Veiga” não ficou grande coisa. Eu não me perdoo muito por ter descambado para o lugar comum de referir o Pinto da Costa. Ainda hoje sinto-me um pouco como o Emplastro por causa disso.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

"Tiro Ao Boneco" (Fevereiro 2001)

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Notas Sobre "Tiro Ao Boneco"

Nem sempre estes papéis se dedicavam afincadamente a testar os limites da parvoíce e do sarcasmo de qualidade muito duvidosa. Lembro-me vagamente de algumas “histórias” perdidas aí pelos idos de 1995 em que o tema assumia contornos mais escuros que o habitual, e não falo da tonalidade do desenho; se não à superfície, pelo menos de modo mais ou menos implícito.
“Tiro Ao Boneco” é a sobrevivente que exemplifica esse lado lunar de maneira mais paradigmática. Uma primeira parte só de texto e uma segunda parte que se inicia como se uma câmara se fosse afastando em zoom out até nos apercebermos que a personagem queixosa é um boneco na carreira de tiro, um mero alvo que não vai encontrar o conforto mesmo quando alguém o recebe como prémio – ele simplesmente não era o prémio desejado.
Se há “história” que não desespera para fazer rir, “Tiro Ao Boneco” é a tal. Mesmo apesar das conversas sem sentido que se escutam por entre os lamentos iniciais e da referência ao Dias Loureiro, bem depois dele ter saído de cena e cerca de oito anos antes de ele voltar às bocas do mundo. Eu sempre acreditei que este gajo merecia ser gozado de alguma forma. E ele não me desapontou. Coincidências como esta podem revelar-se muito mais enigmáticas do que parecem à primeira vista, o que reforça a essência apenas aparentemente minimalista de “Tiro Ao Boneco”.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

"Balde" (Janeiro 2001)

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Notas Sobre "Balde"

Quem quer ser o balde?”, parece ser esta a pergunta a que todos respondem afirmativamente. Ninguém parece capaz de dizer “não” e a tentação da celebridade instantânea gera uma histeria sem precedentes.
Não há que enganar: esta “história” visa muito directamente a célebre mãe (pai?) (avó?) (tia muito chegada?) (Leonor Cipriano?) de todos os reality shows, o Big Brother. Todos estavam esfusiantes com aqueles objectos mediáticos ligeiramente parecidos com seres humanos. Houve uma passagem de ano com gente pregada ao televisor para ver o balde Zé Maria ganhar o que seria a sua viagem de ida para a sempre efémera e estéril terra cor-de-rosa. Não tardaria muito para que regressasse à sua reles condição inicial com um pontapé seco no traseiro e sem desculpas recebidas, surpreendendo até quem parecia menos impressionável. Como é aqui o caso de Alberto da Cunha Pinto, um velho conhecido (que ainda irá voltar).
Esta é uma das histórias com melhor grafismo, algo que reconhecidamente agradeço à esferográfica que escolhi. O tema era bastante actual. E talvez ainda seja.
“Balde”, a primeira “história” do novo milénio, atira-se sobre a “chicletização” (o anátema do “mastiga-e-deita-fora”) do entretenimento moderno com o mesmo frio desapego com que ele trata o espectador. No fim do furacão de banalidades nada resta para contar. “Balde” não é tão hiperbolizada quanto possa parecer. Substituam os objectos por humanos e a diferença quase que nem se notará. Infelizmente para os humanos.

sábado, 23 de maio de 2009

"Sequestro" (Setembro 2000)

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Notas Sobre "Sequestro"

“Sequestro” é, provavelmente, a “história” visualmente mais apelativa desta colecção. A coloração mais "riscada" é devido ao facto de toda a acção decorrer durante uma noite. O local é incerto, algures no deserto onde existe uma estrada, um automóvel e uma árvore. São apresentados dois “gangsters” algo distraídos que procuram violar um escritor também despistado, e já morto, que não sabe dos perigos em que incorre e que parece, de certa forma, gostar de ser importunado.
Porquê Júlio Dinis? Nada tenho contra o homem, mas quando esbocei o desenho lembrei-me da imagem dele e pronto, pensei que ele devia ser o Júlio Dinis. O facto de já estar morto aguçou ainda mais o absurdo da situação. Não foi, de todo, uma punição por ter escrito “As Papilas Gustativas do Senhor Reitor”, ou lá o que era.
Assumo que “Sequestro” é um dos meus filhos predilectos – considero este um dos momentos mais bem conseguidos que alguma vez passei para o papel, tanto em termos de argumento como de desenho. Talvez seja o rascunho que mais se parece com um produto final decente – por muito retorcido que seja este conceito de “decência”.

"Podíamos Ser Tão Bons, Mas Não Somos" (Agosto 2000)

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Notas Sobre "Podíamos Ser Tão Bons, Mas Não Somos"

Sete personagens (mais um “penetra”) que revelam enormes potencialidades, mas cujos calcanhares de Aquiles são demasiado evidentes (e absurdos) para realizarem tudo aquilo que se espera deles. É mais um programa de televisão. O título diz tudo sobre o tema em análise.
Foram sete personagens porque sete é um número carismático. Quis emprestar um ar místico à “história”. Bom, para ser sincero, foram sete porque o tamanho do papel assim exigiu. Mas fica bem reparar que são sete e atribuir um significado a isso.
Uma “história” que se ressentiu da qualidade da tinta e do papel, especialmente na primeira parte, fazendo com que pareça mais antiga do que realmente é. A troca de esferográfica a meio (no episódio brejeiro do “Eh, boazona, já viste aqui o macho?”) tornou as coisas mais perceptíveis e resistentes ao tempo. Outro apontamento: foi a última vez que fiz mais de uma “história” num só mês.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

"Insulta o Padre" (Agosto 2000)

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Notas Sobre "Insulta o Padre"

Uma “história” sobre a falta de respeito. Uma “história” sobre a violência da e contra a Igreja. São vários os insultos proferidos durante um programa televisão que, suponho, tem uma larga audiência. Simbolicamente, conta com a presença acidentada do cançonetista popular Teixeira Pardal, um cantor do pós-25 de Abril, como se nota pelas patilhas, bigode, colarinhos largos e calças à boca-de-sino. E pela viola, claro. Eu acho que os Homens da Luta se inspiraram no Teixeira Pardal. Mas é claro que eles nunca irão confirmar. O Teixeira Pardal é a materialização do meu fetiche pela década de 70. Irá aparecer mais tarde, noutra história.
Curiosamente, nenhum dos insultos é consideravelmente rude, ficando-se pelo limite do politicamente correcto. Hoje em dia, porém, já é muito mais fácil ver “merda” ou “filho da p**a” escritos a letras acima do tamanho 16 e em bold nas televisões. É disso que o povo gosta nos seus prazeres voyeuristas: facas, alguidares e destruição em directo. E é assim que a “história” acaba. Presume-se que para gáudio da audiência, que nem chega a ouvir os talentos musicais do revolucionário apagado que é Teixeira Pardal.

domingo, 10 de maio de 2009

"Entrevista Simultânea" (Março 2000)

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Notas Sobre "Entrevista Simultânea"

Este tipo de entrevista seria certamente um formato de sucesso na televisão, desde que as apresentadoras tivessem um bom corpo, como até era o caso desta. O culinário não estava ali para outra coisa, aliás. Certamente que não era pelo perfil astrológico.
Uma “história” com muito blá-blá-blá. Os desenhos contêm muitas insinuações sexuais. Nota final para aquela inanidade que era o DOT (um dístico que podia valer prémios se colado no seu televisor enquanto estivesse a dar a SIC – parece brincadeira, mas não foi).

"Análise Sexual" (Dezembro 1999)

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Notas Sobre "Análise Sexual"

O futebol. Até que enfim. Até aqui tinha estado um tanto ou quanto arredado deste assunto. Alguns remoques, é certo, mas sempre introduzidos lateralmente. “Análise Sexual” é a perspectiva erótico-depravada do folclore da bola. Apresentei o multifacetado Alberto da Cunha Pinto, um reputado sociólogo/pivot de telejornal/político/analista, que dá umas pinceladas tecnocráticas e que me irá servir noutro punhado de “histórias”. E as imagens estão bem sugestivas.
O futebol tem tanto para dar. Há tantos pontos de vista… “Análise Sexual” é apenas mais um deles, dissertado pelo clone do José Eduardo. Algo que o Luís Freitas Lobo nunca fará.
Esta “história” talvez entre para o top das mais concorridas. É irreverente e obsessiva. Mistura futebol e sexo, ninguém fica indiferente. “Análise Sexual” estará sempre actual enquanto futebol e sexo existirem. E isso ainda deve durar uns anitos mais.

"Ponte Inútil" (Setembro 1999)

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Notas Sobre "Ponte Inútil"

Um programa de TV sobre uma personalidade tão prestigiosa quanto medíocre. O grande elefante branco da obra pública. Governo e Oposição juntos na prisão. José Eduardo quando ainda não havia Luís Freitas Lobo. E um tipo sem pistas, servindo de posto de informações, a ser punido pelo seu desconhecimento. Foi parar junto do Governo e da Oposição por causa do ilustre engenheiro. Ou seja, à cadeia. Isto é “Ponte Inútil”.

sábado, 2 de maio de 2009

"Ano 2000" (Agosto 1999)

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Notas Sobre "Ano 2000"

Exceptuando “Solo En La Isla”, que era constituída por três fascículos, “Ano 2000” é a “história” mais longa de todas as aqui apresentadas, esticando-se por quatro páginas A5. Tal facto implicou uma nova inovação: dois agrafos, que são visíveis na digitalização.
“Ano 2000” está em bom estado de conservação e versa sobre a paranóia de final de milénio (que só finalizou… em 2000), com sexo, prostitutas e proxenetas à mistura. Julgo que possui o maior número de cenas de sexo explícito de toda esta colecção e talvez seja esse o seu ponto forte. Até não ficou mal desenhado de todo.
Esta “história” demorou várias horas de um dia de férias até ser completa. Exigiu muita paciência. Porém, cheguei à conclusão que num argumento muito grande é mais difícil manter a mesma consistência humorística, que por vezes até é complicada de atingir em apenas duas páginas.
No meio de uma certa banalidade, de que são exemplo os cenários costumeiros de apocalipse pela chegada do ano 2000, há espaço no final para uma citação de uma letra fabulosa de Sérgio Godinho.

"Lindo Dia" (Julho 1999)

Morphine "Let's Take A Trip Together"

Notas Sobre "Lindo Dia"

Espaço para o meu pequeno capricho. Eu não vou digitalizar esta “história”. Vai permanecer inédita e disponível só para mim. Aliás, esta é uma ideia que tive desde o momento que a escrevi – julgo que apenas uma ou duas pessoas a viram (para além de mim, claro), um número muito abaixo do público-alvo daquela época.
Porquê? Bem, todos os grandes artistas reservam sempre algo para ser publicado a título póstumo. Até o John Lennon editou uma música 15 anos depois de ter morrido… e se eu quero ser parecido com eles, que o seja por esta forma, porque no plano artístico nunca deverei lá chegar.
“Lindo Dia” é dedicado ao Mark Sandman, vocalista, baixista e mentor dos magníficos Morphine, então inesperadamente falecido. É a única dedicatória que fiz nas minhas “histórias”. Aborda a superficialidade do dia-a-dia e a forma como perdemos tempo essencial nas nossas vidas. E mais não digo.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

"Não Há Lógica" (Maio 1999)

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Notas Sobre "Não Há Lógica"

O título diz tudo, embora também pudesse ser "Não À Lógica". Talvez a minha “história” com maior grau de absurdo, ainda que preserve uma estrutura dividida entre dois perfeitos malucos que passam o testemunho a um indivíduo de aspecto estranho para depois voltar ao mesmo par de doidos. Este papel foi feito a seguir a um exame mentalmente exigente e sentia-me realmente confuso e a precisar de desabafar. Saiu isto.

"Solo En La Isla" (Abril 1999)

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Notas Sobre "Solo En La Isla"

Esta sim, é a última aparição de Zé Bastos. Uma despedida épica, traduzida numa trilogia. Se tomada pelo seu todo, esta é a maior “história” de todas as que fiz, alongando-se por três (ou seis) papéis completos.

Algumas particularidades: o regresso aos quadradinhos, imediatamente depois de uma primeira trégua; um título em espanhol, inspirado no videoclip da Madonna que tinha visto antes de nomear a “história”, “La Isla Bonita”; aparece uma personagem feminina que partilha o protagonismo com Zé Bastos, com um nome estranhamente vulgar – Ana Esteves (certamente que existirão muitas…); o primeiro capítulo foi realizado a lápis (a única vez de que há registo); e todos os capítulos, sem excepção, foram realizados durante algumas aulas que tive na altura: durante um ou dois dias de aulas não fiz mais nada. E também não devo ter perdido muito. O cabeçalho do segundo capítulo foi directamente retirado do que estava a ser escrito pela professora no quadro da aula de matemática, por exemplo.

O primeiro capítulo introduz Zé Bastos como um náufrago cuja sorte mudara em pouco tempo e a estranha personagem que é Ana; no segundo capítulo Ana continua a testar os limites da paciência de Zé Bastos, confuso com a calma enervante da sua aparente salvadora, existindo algumas intromissões pelo meio (uma das quais dedicada ao telemóvel); e o terceiro capítulo é a natural precipitação do enredo, ainda que as coisas não acabem totalmente bem para Zé Bastos, que nunca parece capaz de compreender a estranha devoção passiva de Ana. "Solo En La Isla" revela uma faceta sentimental pouco usual no cômputo geral destas "histórias" - talvez por isso, notei que algum público feminino achou "querido" e "fofinho" (as expressões não são minhas) o argumento. Em linhas gerais, claro.

Zé Bastos, um tipo com hormonas como toda a gente, finaliza o seu percurso como uma vítima das circunstâncias, mais uma vez, indo da euforia ao desespero num só quadradinho. Dado que o estilo que percorre grande parte da “história” também é algo reminiscente dos primeiros tempos, tempos em que Zé Bastos ainda não desenvolvera tanto o seu gosto pelo absurdo, temos aqui uma síntese adequada da sua vida. Escusado será dizer que argumentos para seis páginas significavam o cabo dos trabalhos e nem mesmo a monotonia das aulas me incentivava a iniciar projectos desta envergadura. Portanto, eis uma despedida única para uma personagem única.

"Telemóvel" (Janeiro 1999)

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Notas Sobre "Telemóvel"

Eis o regresso. Não era preciso ninguém pedir por mais, isso podia ser condição suficiente mas não era condição necessária. Eu estava com apetite por mais e não fazia sentido privar-me desta vontade de continuar. O retorno às lides foi, portanto, natural.
As “histórias” adquiriram um formato ligeiramente diferente: desapareceu a caixa do título. Passou a não figurar qualquer título, mas sim uma citação mais ou menos pachola proferida por uma personagem qualquer, imaginária ou não. Libertou-se do tabu dos quadradinhos, pelo menos em “Telemóvel”, a assim designada primeira “história” deste novo fôlego de bandas-desenhadas. “Telemóvel” também é a primeira aqui exposta que foi feita num papel quadriculado. Mas ainda e (quase) sempre de tamanho A5.
O estilo é também um pouco mais… obscuro. Tudo é deixado no ar, em suposições. As personagens portam-se misteriosamente. Há espaço para elas pararem um pouco para pensar. A “história” desenrola-se num ritmo diferente do habitual, não há cortes abruptos, tudo se passa rapidamente. Não há nada realmente pateta a não ser aquela conversa de casa-de-banho. Não é uma “história” que, globalmente, dê para rir; quanto muito, dará para sorrir. Pelo menos, devia dar para voltar a ler e detectar os pequenos pormenores que não se vêem da primeira vez.

Não há que esconder que o assunto aqui abordado destroça o fenómeno da dependência do telemóvel e a inerente desumanização que isso provoca nos contactos sociais, quando a febre dos gadgets começava a despontar. Lembro-me de nem sequer ter telemóvel na altura e todos pensarem que estava completamente fora. Em “Telemóvel” dou largas às minhas críticas num registo a roçar a paranormalidade de David Lynch (quanto pretensiosismo), deixando que cada um interpretasse à sua maneira o que é que “Telemóvel” representa, não só em termos de valor artístico pela denúncia que faz da forma preferencial de socialização contemporânea, que é indirecta e à distância, mas também para si mesmo – ou seja, será que a extrema subserviência perante a tecnologia também vos diz alguma coisa?
Quem são estes dois? E o nebuloso assassino é o mesmo que tenta um arriscado contacto pessoal? E quem é que está atrasado e porquê? Será que um é o Diabo? Mas o Diabo não mata e pede amor logo seguir. Será que o outro é Deus? Um Deus atrasado e que não acaba as frases? Serão os mesmos? Ou será ao contrário? Digam-me vocês o que acham. Pensem nisto antes que a bateria acabe.